A sereia é uma criatura mitológica que desperta o imaginário popular em todo o mundo. E isso faz com que estejam presentes em muitas obras da cultura popular, como filmes, séries, livros e até em logotipos.

Talvez uma das obras mais icônicas sobre o tema seja o filme animado A Pequena Sereia, produzido pela Disney no final da década de 1980. A animação, que ganha sua versão live-action em 2023, é na verdade uma adaptação do secular conto de mesmo nome, do escritor dinamarquês Hans Andersen.

Assista ao trailer oficial do filme live-action de A Pequena Sereia:

Tipos de sereias

Vale ressaltar que apesar de na língua portuguesa existir apenas uma palavra que englobe todas as sereias, em outros idiomas há diferentes palavras, que designam os tipos diferentes dessa criatura marinha mitológica.

No inglês, por exemplo, há a palavra mermaid, usada para as amigáveis sereias como as do filme da Disney, e a palavra siren, utilizada para aquelas mais malvadas, que seduzem os homens para morrerem afogados no oceano. Em português, ambas se traduzem como “sereia”.

A palavra sereia, em português, vem do latim syren e, portanto, está mais associada às perigosas criaturas que hipnotizam os homens e os levam ao afogamento. E isso pode ser percebido na lenda do folclore brasileiro sobre a Iara, por exemplo, como será citada mais a frente neste texto.

sereia

Existe sereia negra?

O live-action de A Pequena Sereia levantou algumas discussões nas mídias sociais, desde que foi anunciada a atriz Halle Bailey como protagonista do filme.

Acostumados com a versão animada de 1989, na qual Ariel, a Pequena Sereia da Disney, é apresentada como branca e ruiva, alguns questionaram a escolha de uma atriz negra para dar vida à Ariel no live-action. Uma das frases usadas foi: “não existe sereia negra”.

Além da conotação racista, a afirmação acima não é verdadeira. A criatura mitológica metade mulher e metade peixe está presente em diferentes culturas pelo mundo todo e assume as mais diversas formas e aparências de acordo com as tradições locais e, muitas vezes, com a aparência física daquele povo.

Conheça, a seguir, um pouco mais sobre a história e ancestralidade das sereias e como elas são representadas em diferentes regiões do planeta.

As sereias na Antiguidade

As sereias são figuras mitológicas presentes em lendas que personificam os perigos e outros aspectos do mar, sendo, portanto, muito comuns no imaginário de povos navegadores ou que dependiam do mar para sua subsistência. Cada povo, contudo, representava essas figuras de um modo, e às vezes bem diferente do conceito que temos atualmente.

Sirenas: as mulheres-pássaros da mitologia grega

Um dos relatos mais remotos sobre as sereias vem da Antiguidade, mais especificamente na mitologia grega. Eis as sirenas, que seduziam os navegantes com suas melódicas vozes e os atraía para a morte, ao abandonarem seus navios para se atirarem nas perigosas águas marítimas.

Entretanto, as sirenas não tinham caudas de peixe. Elas eram mulheres-pássaros, com asas e garras. Em algumas versões, elas se alimentavam dos marinheiros que, distraídos por seu belo canto, chocavam seus navios contra os rochedos onde as sirenas habitavam.

Sirenas: as mulheres-pássaros da mitologia grega
Ulisses e as Sirenas (1891), do artista John William Waterhouse

As sirenas eram filhas de Aquelôo, um potamo – deus-rio – que, por sua vez, era filho do deus Oceano com sua irmã Tétis. Ao competirem com as musas para ver quem tinha a voz mais harmoniosa, foram castigadas e transformadas nas criaturas monstruosas com cabeça humana e corpo de pássaro, mas mantiveram a beleza de suas vozes.

Além disso, as sirenas foram amaldiçoadas a nunca viver um amor, uma vez que sua voz enfeitiçava os marinheiros, levando-os à morte. Podemos dizer que, com o passar do tempo, as sirenas tornaram-se as sirens, as terríveis sereias que seduzem os homens com suas vozes para então matá-los e devorá-los.

Divindades gregas do mar

Mas, também na mitologia grega, existiam as divindades marítimas e aquáticas, que contribuíram muito para a representação atual das sereias. Entre elas está o deus Oceano, pai das oceânides, ninfas dos fundos inacessíveis do mar, e dos potamos, deuses dos rios e pais das náiades, ninfas das águas doces. As ninfas aquáticas não costumavam ser representadas com caudas, mas como mulheres inteiras.

As náiades se assemelham bastante às sereias: são muito belas, com uma linda voz que atrai os homens. Permitem que bebam da água de suas fontes, mas podem punir quem se atreve a banhar-se nelas, incluindo com afogamento e morte.

Hilas e as Ninfas da Água (1909), da artista Henrietta Rae

O deus Oceano também era avô das nereidas, filhas de Nereu e veneradas como ninfas do mar. Elas eram descritas como gentis e sempre dispostas a ajudar marinheiros em perigo, ao contrário das sirenas. Além disso, eram muito belas e conquistavam o coração dos homens. Possuíam longos cabelos, entrelaçados com pérolas e corais, e cavalgavam golfinhos e cavalos-marinhos.

Uma nereida chamada Anfitrite casou-se com o deus supremo do mar, Poseidon, e desse casamento nasceu Tritão, o rei dos mares, representado como um homem com cauda de peixe. No filme da Disney, Tritão é o pai de Ariel, a Pequena Sereia.

Atualmente, tritão é a denominação dada à versão masculina de uma sereia. De acordo com algumas lendas, Tritão seria o primeiro tritão e pai de todas as sereias e tritões.

E considerando que as sirenas são filhas do potamo Aquelôo e netas do deus Oceano, é possível afirmar que elas são primas das nereidas e, portanto, parentes do rei Tritão.

Atargatis e os deuses da Mesopotâmia

As antigas civilizações mesopotâmicas, onde hoje é o Oriente Médio, cultuavam uma infinidade de deuses, e muitos deles eram representados como híbridos de homens e animais, incluindo o peixe. Havia, por exemplo, os sete sábios semideuses, escritos como parte homem e parte peixe, associados à sabedoria humana em diferentes culturas da região.

Há o deus babilônico Oannes, que pode ser uma derivação dos sete sábios, e o deus Dagon, cultuado pelos fenícios, filisteus e cananeus. Ambos podiam ser representados como metade homem e metade peixe.

Mas, talvez a mais remota referência às sereias venha da antiga Assíria. Seu povo cultuava a poderosa e suprema deusa Atargatis. Ela era considerada deusa do céu, do mar, da chuva, da vegetação e da fertilidade.

Atargatis tinha várias representações, sendo uma delas como regente do mar, com o tronco de uma linda mulher e cauda de serpente ou peixe.

Segundo algumas tradições, um ovo teria descido dos céus ou sido botado por um peixe nas margens do Rio Eufrates, e então chocado por pombas. Ao eclodir, nasce uma mulher belíssima com cauda de peixe, a deusa Atargatis.

Estátua da deusa Atargatis, no Museu Arqueológico da Jordânia

Em um dos mitos babilônicos, a deusa da fertilidade Derceto, como fica conhecida Atargatis, se apaixona por um humano mortal e, após a desilusão amorosa tenta o suicídio, atirando-se no Rio Eufrates. Dois peixes salvam a deusa, que é transformada em sereia. Os peixes são recompensados, tornando-se a constelação de Peixes. Do relacionamento da deusa com o mortal nasce uma criança, Semiramis, a lendária rainha fundadora da Babilônia.

Esse mito sírio-babilônico é bastante semelhante à história da Pequena Sereia contada por Hans Andersen, e pode tê-lo inspirado. No conto, uma sereia apaixona-se por um humano e, ao perceber que não ficarão juntos, atira-se ao mar à espera da morte anunciada por uma maldição. Mas espíritos do ar intervêm e a transformam em um deles.

Sereias na Europa: lendas da Idade Média

Com a expansão do Império Romano e sua conquista de vários territórios, incluindo a Grécia, a mitologia grega foi incorporada e adaptada à mitologia romana. Os deuses gregos se tornaram suas contrapartes romanas – como Poseidon, que virou Netuno – e suas histórias foram reescritas.

A deusa síria Atargatis também foi incorporada ao panteão romano, cultuada como a deusa Síria. Algumas vezes, era sincretizada com deusas gregas, como Hera e até mesmo Afrodite.

A Fonte de Netuno é um monumento localizado na Praça de Netuno, em Bolonha, Itália. O deus romano do mar é retratado segurando seu tradicional tridente.

Ao longo do tempo, muitas crenças e lendas de diferentes povos foram se fundindo e se adaptando à realidade da Idade Média, inclusive as sereias, que podem ser uma fusão das ninfas aquáticas com as antigas sirenas, entre outras lendas e mitos. Mantiveram a beleza das primeiras, a mortal hipnose das segundas e a voz encantadora de ambas.

Além disso, por influência do Cristianismo, asas eram associadas a anjos e ao paraíso. E como as sereias se tornariam símbolo da luxúria e do pecado, o mais adequado seria que elas deixassem de ter asas como as sirenas e passassem a ser representadas com as atuais caudas de peixes.

Visão do Cristianismo

A partir da propagação do Cristianismo na Europa, as sereias se tornaram símbolo não apenas dos perigos do mar, mas também da luxúria, dos prazeres da carne, da vaidade e da tentação.

Comparadas muitas vezes a demônios, eram vistas como sedutoras criaturas com corpo de mulher e cauda de peixe. Normalmente representadas com seios à mostra, eram vaidosas, independentes e usavam sua voz para enfeitiçar e seduzir os homens, levando-os à morte.

Na visão do Cristianismo, ao mesmo tempo em que a sereia é o oposto de como uma mulher de bem deveria se comportar, ela lembrava aos homens da inferioridade da mulher e sua capacidade de seduzi-los e levá-los ao pecado – ou condenação eterna.

Também era comum que as sereias fossem representadas segurando um espelho ou penteando seus longos cabelos, o que reforça a ideia da vaidade, considerada um grave pecado pela Igreja Católica. Esses elementos ainda são percebidos nas representações atuais das sereias.

Sereia de Varsóvia, na Polônia

Varsóvia é a capital da Polônia, e seu maior símbolo é a estátua de uma sereia, conhecida como Sereia de Varsóvia.

Sereia de Varsóvia

Segundo a lenda, uma bela sereia chegou à cidade e decidiu ficar. No entanto, ela foi capturada por um comerciante ao ouvir seu canto. Ele ganhava muito dinheiro ao obrigá-la a se apresentar em feiras. Todas as noites, um pescador ouvia a sereia chorando, até que resolveu libertá-la. Como forma de agradecimento, a sereia prometeu ajudar e proteger o homem, a cidade e seus habitantes. Por este motivo, ela é representada segurando uma espada e um escudo.

Alguns mitos dizem que a sereia podia ser vista nadando pelos rios da Polônia até a Segunda Guerra Mundial, quando misteriosamente sumiu, provavelmente em busca de um lugar mais pacífico para viver.

Em algumas versões da história, duas irmãs sereias nadaram do Atlântico até o mar Báltico. Uma delas permaneceu em Copenhague, na Dinamarca, enquanto a outra chegou até Varsóvia. No porto de Copenhague também há uma estátua de sereia, que é conhecida como A Pequena Sereia de Copenhague. Ela seria a Pequena Sereia do conto do escritor dinamarquês Hans Andersen.

A Pequena Sereia de Copenhague, Dinamarca

Já em outras versões, a sereia de Varsóvia seria, na verdade, Melusina, uma personagem do folclore europeu.

A fada Melusina na França

Melusina é uma criatura do folclore europeu que ganhou bastante popularidade na França. Ela é representada como uma bela mulher da cintura pra cima, e cauda de peixe ou serpente, tal como a deusa Atargatis. Em alguns contos, ela possui duas caudas, asas e coroa, e pode ter inspirado o logotipo da famosa cafeteria Starbucks.

De acordo com a versão mais famosa da lenda, um rei da Escócia chamado Elynas saiu para caçar e encontrou uma bela dama na floresta. Ela se chamava Presina e era, na verdade, uma fada – ninfa semelhante às da mitologia grega.

Presina se casou com o rei, sob a condição de que ele nunca entrasse em seus aposentos quando essa desse à luz ou banhasse suas crianças. Presina teve trigêmeas, sendo uma delas Melusina.

O rei, contudo, quebrou o acordo ao entrar no quarto de Presina, e esta partiu então com suas filhas para a ilha encantada de Avalon. Após anos, ao descobrirem o ocorrido, as três irmãs decidiram se vingar, mas foram castigadas por Presina. Melusina foi condenada a tomar uma cauda de serpente todos os sábados.

Um dia, numa floresta da França, da mesma forma que ocorreu com sua mãe, Melusina conhece um nobre rapaz chamado Raymond, que a pede em casamento. Ela aceita sob uma condição: de que ele nunca entre em seu quarto aos sábados. Mas a promessa é quebrada quando, em uma noite de sábado, Raymond a espia no banho e descobre que sua esposa é metade serpente. Enfurecida, ela então vai embora para nunca mais voltar.

Ilustração datada de 1450 a 1500, sobre a história de Melusina.

Às vezes, Melusina é retratada como uma nixe, espírito de forma humana que vive em rios, lagos e cachoeiras.

As nixes do folclore alemão e escandinavo

As nixes são espíritos aquáticos pertencentes ao folclore alemão e escandinavo, que podem mudar de forma. É bastante comum serem retratadas como uma sereia de água doce.

Elas derivam da mitologia nórdica e possuem contrapartidas na Noruega, Suécia e Dinamarca. Esses seres são descritos como bastante temperamentais, pois ora ajudam os pescadores, ora viram suas embarcações e os afogam nas águas geladas.

Rusalka, ninfa eslava da água

Rusalka é uma ninfa da água na mitologia eslava. Em antigas tribos pagãs, era associada à fertilidade e aparecia durante a primavera, para levar umidade aos campos e plantações. Para os russos, ucranianos e bielo-russos, a Rusalka é retratada muitas vezes como uma sereia.

Nas versões mais recentes, porém, essa criatura não é tão bondosa. Na verdade, é um tipo de espírito vingativo que habita rios ou lagos, podendo existir diversas rusalkas.

Uma rusalka é o espírito de uma mulher que foi abusada, assassinada ou que cometeu suicídio atirando-se a um lago ou rio após um relacionamento infeliz. Depois de morrer, passa o resto do tempo nesse local como uma rusalka, e sua alma só poderá descansar quando sua morte for vingada.

Elas assombram os rios e lagos onde morreram, atraindo os homens com seu canto e sua beleza, para que hipnotizados, encontrem o mesmo destino. Para aumentar ainda mais o seu poder de sedução, as rusalkas podem adaptar sua aparência de acordo com a preferência de suas vítimas. Em algumas ocasiões, elas riem enquanto o homem se afoga.

“As Sereias” (1871), do pintor russo Ivan Kramskoi, que retrata as rusalkas

Grandes Navegações

Com as Grandes Navegações, que se iniciaram no século XV, os europeus chegaram a todos os demais continentes habitados por outros povos. Isso permitiu que muitos elementos de sua cultura e sociedade, como tradições, mitos, lendas e crenças, fossem disseminados em todo o mundo.

Assim, esses elementos foram absorvidos, adaptados e incorporados às culturas locais desses outros povos, incluindo as histórias sobre sereias. Isso acontece especialmente nos territórios que foram colonizados, sobretudo na África e nas Américas.

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Para acalmar os deuses

Além disso, como essa expansão europeia se dá pelo mar, as sereias voltaram a se perpetuar no imaginário popular, representando os perigos e desafios presentes no oceano. Em muitos navios, por exemplo, torna-se comum a presença de esculturas de sereias em suas proas, como símbolo de boa sorte nas viagens marítimas.

Essa superstição tem uma explicação: acreditava-se que a presença de mulheres nas embarcações irritaria os deuses do mar, que poderiam enviar tempestades e ondas gigantes. Alguns capitães eram tão crentes nisso que não hesitariam em jogar mulheres presentes no navio ao mar para acalmar os deuses. Contudo, mulheres com seios à mostra agradariam os deuses, como uma oferenda, mas esse não era o comportamento esperado das mulheres nessa época.

Portanto, a escultura de uma sereia na proa, normalmente nua, era a desculpa perfeita para agradar aos deuses e pedir calmaria e bênçãos durante a viagem.

Sereias existem?

Há muitos relatos dessa época de marinheiros terem avistado sereias durante suas viagens pelo mar, inclusive do grande capitão Cristóvão Colombo. Em janeiro de 1493, ele escreveu em seu diário sobre ter avistado nos mares do Novo Mundo algo que já tinha observado na costa africana: as sereias.

Contudo, Colombo descreveu esses seres como não sendo tão atraentes como eram nos contos. Provavelmente, segundo historiadores, ele teria visto um peixe-boi e o confundido com uma sereia.

Segundo pesquisadores, ao relatar ter visto uma sereia, Colombo pode ter se confundido ao avistar, na verdade, um simpático peixe-boi

O peixe-boi faz parte de um grupo de mamíferos aquáticos que já causaram muita confusão ao redor do mundo ao serem confundidos com as mulheres-peixe. Essa ordem de animais inclui leão-marinho, foca, dugongo e vaca-marinha. Em homenagem às sereias, eles foram denominados como sirênios.

As sereias no Oriente

Além das lendas na Europa, há diferente mitos e histórias sobre criaturas metade humanas e metade peixes no restante do mundo. Talvez pela maior proximidade geográfica, as regiões orientais podem ter recebido também influência direta das antigas tradições da Antiguidade e europeias. Mas algumas lendas são bem diferentes e assustadoras.

As sereias no Oriente
Em 1657, o médico e pesquisador polonês John Jonston publicou o estudo “Histórias Naturais de Peixes e Baleias”. Presente no livro, essa ilustração de “peixes antropomorfos” faz referência a uma criatura capturada em Visayas, nas Filipinas. Contudo, estudiosos contemporâneos dizem que a criatura capturada era, de fato, um dugongo, mamífero marinho da ordem dos sirênios.

Ningyo: as sereias nipônicas

No Japão, há diversas lendas e histórias envolvendo os ningyo, cuja palavra significa “homem-peixe”. Sua aparência varia de acordo com o conto ou região, mas geralmente não são tão atraentes quanto as sereias ocidentais. As ningyo podem ter longos dedos, garras afiadas, escamas brilhantes, cabeças deformadas, com chifres ou crista vermelha de galo, dentes proeminentes.

Em algumas versões, apesar da aparência horripilante e demoníaca, elas são capazes de emitir um lindo canto, como o som de pássaro ou flauta. Avistá-las pode ser um sinal de mau agouro, mas suas lágrimas transformam-se em pérolas e sua carne pode conceder imortalidade ou uma vida muito longa a quem dela se alimenta.

Ningyo: as sereias nipônicas
Uma ningyo com características mais semelhantes às versões ocidentais foi descrita por Ihara Saikaku, romancista e poeta clássico japonês, na obra Budō denraiki (Tradições do Caminho do Samurai), de 1687.

Sirena das Ilhas Guam, na Oceania

Nas Ilhas Guam, localizadas na Oceania, existe uma lenda em que uma jovem garota chamada Sirena adorava nadar e passava horas na atividade, se esquecendo de suas responsabilidades.

Sua mãe, furiosa, amaldiçoou a menina a transformar-se em peixe, já que ela gostava tanto da água. A avó da jovem, contudo, tentou interromper a maldição, mas não conseguiu desfazê-la completamente. Sirena, então, transformou-se pela metade, permanecendo humana da cintura para cima, mas com uma cauda de peixe.

Sirena passou a habitar o mar, tornando-se protetora dos marinheiros.

As sereias na cultura africana

As mitologias africanas são repletas de seres, espíritos e divindades relacionados à água, e por influência europeia, muitos passaram a ser representados como as sereias que conhecemos atualmente. De modo geral, as sereias são bastante conhecidas na cultura africana, e mais que isso, são temidas e reverenciadas.

Contudo, vale ressaltar que, nessas culturas, as sereias não são exatamente um ser físico, como os humanos. São, sobretudo, seres espirituais e imateriais, que podem assumir formas para se aproximar dos mortais.

Mami Uata

Mami Uata, ou Mãe Água, é uma divindade adorada e celebrada em grande parte da África, especialmente no ocidente, sul e centro do continente, estando presente nas crenças de diferentes países, sobretudo os de tradição matriarcal. Sua importância espiritual está bastante enraizada na cultura dos nigerianos, por exemplo, e seu culto também é encontrado entre diásporos africanos nas Américas, incluindo o Caribe.

Mami Uata
Escultura de Mami Uata no pátio do Centro Zinsou em Ouidah, Benin. Está representada com cauda de sereia e segurando uma serpente

A deusa da água é frequentemente retratada como uma sereia, com o corpo de uma mulher e cauda de peixe ou serpente. Também pode assumir uma aparência totalmente humana, como uma linda e sedutora mulher, vagando pelas ruas, mercados movimentados e bares. Também pode se manifestar de várias formas, inclusive como homem.

Em algumas ocasiões, costuma carregar objetos como pentes, espelhos e relógios, e uma grande serpente a acompanha, envolvendo seus seios. O animal é símbolo de adivinhação e divindade.

Durante o século 20, comerciantes africanos que viajavam do Senegal até a Zâmbia carregavam consigo crenças semelhantes. E conforme o culto à Mami Uata ia progredindo, divindades nativas da água eram sincretizadas nela.

Mami Uata está associada à sorte, saúde, cura, riqueza e sexualidade. Ela geralmente deseja saúde e prosperidade a seus devotos, mas em algumas culturas ela pode ser mais obscura. Em uma tradição nigeriana, seus seguidores homens podem encontrá-la como uma mulher muito bonita e promíscua, que os seduz. Após o sexo, a deusa se revela ao parceiro e exige fidelidade sexual e sigilo sobre o assunto. Caso aceite a proposta, ele receberá riquezas, já a rejeição significará desgraças em sua vida.

Kianda, a sereia angolana

Na Angola, as kiandas são espíritos da água reguladores do mar, lagos, rios e peixes. Além disso, estão associadas à fecundidade e às crianças. O nascimento de gêmeos é atribuído à influência dessas entidades.

Cada lago ou rio possui sua kianda. Elas são poderosas, e influem tanto para o bem quanto para o mal, e por isso são muito respeitadas e, ao mesmo tempo, temidas.

Apesar de muitas kiandas, existe uma Kianda, a maior delas, deusa das águas da mitologia angolana. Ela é venerada através de oferendas, e seu culto é especialmente importante aos pescadores e marinheiros. Algumas vezes ela é associada à Iemanjá, orixá das águas e tradicional divindade africana, especialmente pelos diásporos africanos.

Há relatos de africanos escravizados na América que, ao serem obrigados a se batizarem na crença cristã, que utiliza a água como elemento, associavam o rito com o culto à Kianda, pelo qual estariam entrando na casa da deusa das águas. Além de Iemanjá, Kianda também teve sincretismos com imagens de Nossa Senhora.

Kianda, a sereia angolana
Pintura “A felicidade de Kianda”, do artista angolano Admario Costa Lima. A deusa da fecundidade é retratada como uma sereia grávida.

Sereias no sul da África

A região sul da África possui uma rica e ancestral mitologia sobre sereias e espíritos aquáticos, diversificada entre seus diferentes povos e tribos.

Foram encontradas na região, por exemplo, pinturas rupestres que podem datar de milhares de anos nas quais são retratadas figuras humanas com caudas de peixes, que ficaram conhecidas como watermeids.

Há também o Mondao, um poderoso espírito aquático que assume a forma de uma cobra que vive em corpos de água. Ele está associado a dinheiro e abundância, mas pode ser bastante perigoso. No Zimbábue, acredita-se que essas maliciosas criaturas gostam de puxar banhistas ou nadadores até a morte.

Já a Mamlambo é uma deusa dos rios, descrita como uma grande criatura parecida com uma cobra. Mas por influência ocidental, pode ser retratada como uma sereia. Assim como Mami Uata, ela é sedutora e perigosa, podendo oferecer riquezas e poder, mas, ao mesmo tempo, é capaz de castigar a vida daqueles que cruzarem seu caminho.

As kaaiman, por sua vez, são descritas como mulheres de cabelos pretos, olhos vermelhos brilhantes e cauda de peixe. Costumam ser criaturas malévolas, que afogam suas vítimas.

Há, também, a sereia da represa de Marikana, ao norte da cidade de Pretória, uma das capitais da África do Sul. Conhecida pelos moradores locais como Mamogashwa, também é descrita como uma mulher da cintura para cima, com cauda de peixe. A ela são atribuídos diversos afogamentos e mortes na represa.

Olokum, divindade dos oceanos

Na mitologia iorubá, Olokum é uma divindade do mar, e pode ser do gênero masculino ou feminino, de acordo com a tradição. É uma das divindades mais antigas e representa tanto os segredos do fundo do mar quanto os da profundeza da vida e da morte.

Pode ser representado como metade humano e metade peixe, semelhante a um tritão. Às vezes é como uma serpente gigante ou, então, com uma cauda de peixe no lugar de cada perna. Olokun tem um papel importante na religião iorubá, e ajudou na criação do mundo. Vem logo depois de Orixála, o deus criador em pessoa, em uma relação semelhante a Zeus e Poseidon da mitologia grega.

Em algumas tradições, todas as ninfas e divindades aquáticas de água doce ou salgada são suas filhas.

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Sereia Nas Américas

Assim como outras regiões do mundo, os povos originários das Américas possuíam diversas lendas e mitos sobre criaturas aquáticas. Contudo, suas crenças também acabaram sofrendo influências da colonização e absorveram e adaptaram as histórias e contos vindas de outros cantos do planeta, especialmente da Europa e África.

A forma da água

Entre os povos tupis que habitavam o litoral do Brasil e entre populações da Amazônia, havia uma lenda sobre um monstro aquático que habitava os rios e saía das águas para perseguir e matar os humanos.

Contudo, ele não assumia a forma humana, apesar de traços humanoides, não era sedutor e nem oferecia riquezas. Na Amazônia, entretanto, existe uma outra lenda: a do boto, que se transforma em homem ou mulher para aí sim seduzir as pessoas.

Voltando ao mostro aquático, essa criatura era conhecida como Ipupiara, que significa “o que está dentro da água”, ou demônio da água. Foi se adaptando ao longo do tempo e ganhando novas versões, e até inspirou diversas obras cinematográficas, incluindo o filme “A Forma da Água”, grande vencedor do Oscar 2018.

Sofrendo influências das sereias europeias, cujas histórias foram trazidas pelos colonizadores, e adquirindo outros elementos da cultura indígena, Ipupiara se tornou a bela e perigosa sereia Iara.

sereia
A sereia Iara e seu antecessor Ipupiara

A história de Iara

A sereia Iara é uma famosa personagem do folclore brasileiro. Contudo, na verdade ela é uma adaptação da mitologia europeia com elementos indígenas.

Segundo uma das versões da lenda, Iara era filha de um pajé e excelente guerreira de uma tribo indígena. Seus irmãos, contudo, a invejavam por suas habilidades e decididos a não ficar pra trás, se reuniram para matá-la, mas ela resistiu, lutou e matou todos eles.

Seu pai, então, furioso, lança a filha ao rio, mas ela é salva pelos peixes e transformada em sereia, como ocorre na história da deusa Atargartis. A partir de então, Iara habita os rios e seduz os homens com seu canto e beleza, a fim de se vingar.

A crença na Iara era bastante popular entre pescadores de todo o país. Normalmente descrita com pele morena, cabelos longos e negros enfeitados com flores, olhos castanhos e muito bela, além da cauda de peixe, Iara atrai os homens para o afogamento.

sereia Iara
“As Iaras”, escultura de Alfredo Ceschiatti no espelho d’água do Palácio da Alvorada, em Brasília

Em outras versões, Iara é chamada ou associada à Mãe D’água, uma entidade divinizada que habita os corpos de água. Tanto Iara quanto Mãe D’água podem ser associadas a orixás africanos, como Iemanjá e Oxum. Algumas vezes, Iara é descrita como sentada em uma pedra a beira do rio, se arrumando e se admirando com ajuda de um espelho, como ocorre com a entidade africana Oxum.

Iemanjá e Oxum

Apesar de originalmente da África, essas orixás associadas à água são bastante cultuadas nas Américas.

Iemanjá é uma divindade africana, especialmente comum entre o povo iorubá. Trazida às Américas pelos africanos escravizados, foi sincretizada para que sua crença sobrevivesse até os dias atuais. É cultuada pelas religiões brasileiras Umbanda e Candomblé.

Ela é a rainha das águas e desempenha um papel materno para seus seguidores, e por isso muitas vezes é chamada de Mãe D’água. Considerada a mãe espiritual de todos os orixás e humanos, representa o poder progenitor feminino.

Iemanjá e Oxum
Altar com oferendas preparado para Iemanjá, que é representada como uma sereia negra na imagem

É cultuada especialmente por aqueles que vivem do mar, como pescadores e marinheiros. Mas seu culto é bastante popular em todo o país. Iemanjá é a divindade da fertilidade, maternidade e, muitas vezes, do amor. Também é protetora das crianças e idosos e padroeira dos pescadores.

Na mitologia iorubá, assim como ocorre na mitologia grega, os deuses e entidades pertencem a uma complexa árvore genealógica. Em algumas versões, Iemanjá é filha de Olocum, poderosa divindade do mar. Nas Américas, há uma certa simbiose entre as duas entidades, e por isso Iemanjá passa a ser associada às águas do mar.

Oxum é filha de Iemanjá e uma das esposas de Xangô. Reina sobre as águas doces, e é senhora da beleza, fertilidade, dinheiro e sensibilidade. É belíssima e muito sedutora, representada como elegante e adornada da cabeça aos pés com ouro e pedras preciosas, sentada à beira de um rio e segurando um abebé, tipo de espelho redondo e dourado. Devido ao acessório, é muitas vezes associada à sereia Iara.

Oxum também está presente no Haiti, onde é orixá do amor, do dinheiro e da felicidade, e pode receber o nome Erzile ou Erzulie na tradição vodum.

Originalmente, Iemanjá e Oxum não costumam ter a forma de uma sereia, mas a influência europeia fez com que muitas vezes sejam assim representadas.

sereia mitologia iorubá
Estátua com forma de sereia esculpida no Santuário do Bosque Sagrado de Oxum, na Nigéria

E aí, gostou de conhecer mais sobre as histórias e ancestralidade das sereias?

Brancas, negras, indígenas, belas ou monstruosas, bondosas ou malignas, as sereias estão presentes nas mais diversas culturas e são representadas de diferentes formas, de acordo com as tradições de cada região.

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