A talassemia é um tipo de hemoglobinopatia, condição causada por mutações genéticas que geram alterações na estrutura e na função da hemoglobina, proteína presente nas hemácias e responsável pelo transporte de oxigênio no sangue. Ela também é conhecida como anemia do Mediterrâneo, devido sua alta ocorrência em populações dessa região.

A anemia do Mediterrâneo – causas, formas e sintomas

A talassemia é uma doença hereditária, causada por alterações nos genes HBA e HBB. Estes são responsáveis, respectivamente, pela produção de estruturas da hemoglobina conhecidas como cadeias alfa e beta. Nos portadores da doença, as hemácias (glóbulos vermelhos) adquirem forma de “meia-lua” ou “foice” após o oxigênio ser liberado. Essas células deformadas tornam-se rígidas, podendo se agrupar nas camadas internas dos vasos sanguíneos, o que dificulta a circulação do sangue.

De acordo com o gene afetado (HBA ou HBB), a talassemia pode ser denominada alfa-talassemia ou beta-talassemia. Além disso, pode ser classificada em três tipos:

· Talassemia menor (traço talassêmico): causa um grau de anemia leve e assintomático, e pode passar despercebida.

· Talassemia intermediária: abrange grupos de pacientes com sinais e sintomas muito variados, que podem apresentar anemia leve, moderada ou moderadamente grave.

· Talassemia maior (anemia de Cooley): é a forma mais grave da doença, causada pela transmissão de dois genes defeituosos (um do pai e outro da mãe), o que faz com que os sintomas se manifestem com grande intensidade. Nesse caso, os pacientes apresentam anemia grave.

De forma geral, os primeiros sinais e sintomas de talassemia surgem durante o primeiro ano de vida do paciente. Os mais comuns são cansaço, fraqueza, atraso no crescimento, aumento anormal do baço e do fígado, alterações nos ossos, irritabilidade, infecções frequentes, respiração curta, palidez, pouco apetite, coloração amarelada da pele e dos olhos, dor nos ossos, destruição das hemácias, entre outros, variando de acordo com o tipo de talassemia.

Talassemia, malária e a região do Mediterrâneo

Atualmente, com o avanço da medicina, indivíduos portadores de hemoglobinopatias, como a talassemia, possuem expectativa de vida semelhante à de indivíduos 100% saudáveis. Porém, esse cenário é bem recente.

Na maior parte da história da humanidade, as condições de vida eram muito inferiores às de hoje, especialmente para portadores de doenças crônicas. Neste contexto, surgem as seguintes perguntas:

Como a talassemia conseguiu “sobreviver” através das gerações até o dia de hoje? Como é possível que, nas condições extremamente adversas do Neolítico e da Antiguidade, todos os indivíduos talassêmicos não tivessem morrido antes de atingir a idade reprodutiva?

A resposta pode ter relação com uma outra doença que afeta as hemácias: a malária.

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O mosquito Anopheles spp é o vetor da malária. Fonte: Uol.

A malária é uma doença transmitida por mosquitos do gênero Anopheles e causada pelo protozoário Plasmodium spp. É uma condição que provoca uma alta mortalidade, especialmente na infância.

Indivíduos portadores de talassemia possuem uma proteção natural contra a doença, pois, devido ao formato incomum de suas hemácias, o Plasmodium não consegue invadir essas células, o que dificulta o ciclo da doença.

Esta tem sido uma das hipóteses estudadas por pesquisadores como responsável pela existência de indivíduos talassêmicos, nos dias atuais, que herdaram as mutações causadoras da doença geração após geração desde a pré-história.

Estima-se que, à medida que populações humanas começaram a habitar regiões onde os mosquitos vetores da malária eram comuns, a proteção exercida pela talassemia tenha atuado como um fator de seleção natural de indivíduos resistentes à doença. Alguns pesquisadores, porém, apontam que a talassemia pode ter surgido e se difundido em outras regiões do mundo, o que se deu por volta de 5.000 a.C..

Outros fatores que podem ter contribuído para a disseminação da talassemia são: casamento entre parentes próximos, melhora do estado nutricional, o que permite maior sobrevida à população em geral, e melhor prevenção de doenças infecciosas.

Diagnóstico, prevenção e tratamentos para talassemia

Além do exame clínico realizado pelo médico, são necessários vários exames de sangue para diagnosticar a talassemia, como hemograma, ferritina, eletroforese de hemoglobina, cromatografia líquida de alta performance e testes moleculares que identificam a mutação genética.

A talassemia menor geralmente não necessita de tratamento, a não ser durante a gravidez ou em caso de associação com qualquer outra doença no sangue. Nos casos de talassemia intermediária, os pacientes não necessitam de transfusão de sangue, mas podem precisar realizar esse procedimento eventualmente ou com alguma frequência, caso ocorram complicações da doença.

Já nos casos de talassemia maior, os pacientes necessitam realizar transfusões de sangue frequentemente durante toda a vida. Além disso, fazem tratamento de quelação de ferro, que ajuda o organismo a eliminar o excesso de ferro acumulado no sangue decorrente das transfusões.

O excesso de ferro pode provocar danos irreversíveis em órgãos e tecidos. O transplante de medula óssea é o único tratamento que promove a cura desse tipo da doença, mas apresenta alguns riscos que devem ser considerados pelo médico, paciente e seus familiares.

Como forma de prevenção, é possível realizar uma triagem para que os pacientes portadores de talassemia não transmitam o gene alterado para seus descendentes.

A partir do diagnóstico, o aconselhamento genético é indicado para fornecer informações suficientes para que o paciente possa tomar decisões a respeito da reprodução. Essas informações incluem opções como adoção, testes pré-natais e testes pré-implantacionais, utilizados nos procedimentos de fertilização in vitro.

Os testes pré-implantacionais analisam o DNA dos embriões para verificar se há alterações genéticas antes de transferi-los para o útero e, portanto, são uma boa alternativa para prevenção da talassemia e outras doenças hereditárias.

Referências

ASH Clinical News. Malaria and Thalassemia in the Mediterranean Basin. Disponível em: https://www.ashclinicalnews.org/features/blood-beyond-borders-malaria-thalassemia-mediterranean-basin/ . Acesso em 06/2019.

DE SANCTIS, V., et al. β-Thalassemia Distribution in the Old World: an Ancient Disease Seen from a Historical Standpoint. Mediterr J Hematol Infect Dis. 2017; 9(1): e2017018.

ASH Clinical News. Malaria and Thalassemia in the Mediterranean Basin. Disponível em: https://www.ashclinicalnews.org/features/blood-beyond-borders-malaria-thalassemia-mediterranean-basin/ . Acesso em 06/2019.