Cobranças extremas e estilo de vida podem causar transtornos psicológicos
Existe, atualmente, uma epidemia de doenças mentais tomando conta dos estudantes de nível superior 1, no Brasil e no mundo. Um estudo recente realizado com estudantes de todo mundo 2 indica que quase a metade dos estudantes mostram algum sinal de prejuízo à sua saúde mental.
De acordo com a pesquisa, o índice é maior entre estudantes transgêneros, dentre os quais mais de 50% sofrem com problemas desta ordem. Em seguida vem estudantes mulheres, com prevalência de cerca de 48%.
Um outro levantamento realizado pela Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) 3 em 2016 mostra que 30% dos alunos de graduação em instituições federais no Brasil procuraram atendimento psicológico dois anos antes e mais de 10% fizeram uso de algum medicamento psiquiátrico.
Psicólogos especialistas no tema afirmam que, em grande parte, pessoas que buscam atendimento psicológico, atualmente, o fazem durante seu período em universidades e pós-graduação 4.
Eles relatam que estudantes de mestrado e doutorado sofrem, geralmente, com assédio e roubo de propriedade intelectual, fatores quais as faculdades deveriam estar mais atentas para como afetam seus estudantes. Os pesquisadores frisam, ainda, que a instituição deveria dar mais visibilidade à problemática, acolhimento ao aluno e lugar de fala.
São apontadas como causas determinantes para este cenário a naturalização de comportamentos abusivos que são prejudiciais para a saúde mental, a excessiva cobrança por resultados, mercado de trabalho competitivo e a pressão para produzir conteúdo e carreira de sucesso.

Repercussão e reações dos estudantes

Até há bem pouco tempo atrás, a saúde mental do estudante não fazia parte das prioridades das instituições. Porém, hoje em dia, as discussões a respeito estão se intensificando à medida que vão surgindo mais e mais casos de abandono de curso, suicídio e outras consequências devido à deterioração da saúde mental.
Em abril do ano de 2017, estudantes de todo o Brasil engajaram-se em uma campanha nas redes sociais, alavancada pela hashtag #NãoÉNormal, cujo objetivo era expor e problematizar desconfortos e situações relacionadas à saúde mental estudantil, que acabam passando despercebido por serem tidas como “normais” (daí o nome da hashtag).
A maioria dos estudantes que ingressa em graduações e pós-graduações embarca no projeto tendo em mente o estereótipo de que universidades são lugares de extrema autonomia e liberdade. Porém, ao serem introduzidos no sistema universitário, deparam-se com uma realidade completamente diferente.
Nesse momento, percebem que existe dentro de muitas universidades uma estrutura abusivamente rigorosa e professores que podem se aproveitar (e se aproveitam) da autoridade para agir de maneira inadequada. Tais problemáticas dificultam a tomada de atitude por parte da vítima, seja por não identificar o problema ou por receio de sofrer represálias.

Motivos que explicam a ocorrência de transtornos psíquicos e mentais em universitários

Mercado de trabalho
De acordo com relatos de professores e psicólogos, a globalização trouxe uma proximidade ainda maior do mercado de trabalho com as universidades, o que impulsiona a cobrança já existente no ambiente universitário.
Essa cobrança influencia na forma como o estudante lida com a universidade, além de contribuir para o desenvolvimento de um ambiente predatório entre os alunos na esfera competitiva, fazendo com que estejam sempre competindo entre si por bolsas, monitoria, estágios, intercâmbios e lideranças.

Cartaz com os dizeres 'não ter tempo para um emprego #nãoénormal'
Situação exposta durante a campanha #NãoÉNormal

Crise pós-vestibular
Muitos estudantes passam boa parte da vida com o foco direcionado ao vestibular. Por conta disso, a expectativa para a experiência universitária é grande, o que não é saudável, já que dificilmente suprimos integralmente o que esperamos sobre algo. Isso faz com que o universitário se pergunte se todo o esforço realizado valeu a pena.
Nessa fase, os alunos passam a analisar as privações e sacrifícios que fizeram para chegar à graduação, o que pode ser maléfico para a saúde mental do indivíduo.
Mudança de ambiente
No ensino médio, alguns alunos estão acostumados a serem destaque, porém, quando chegam à universidade, nem sempre isso se mantém. Isso ocorre principalmente quando o estudante migra de cidade para cursar faculdade em outro local, eliminando, assim, as referências passadas.
Essa mudança demanda um “rearranjo” psíquico, pois causa uma quebra da auto-imagem e, por conseguinte, sofrimento mental.
Falta de significado
O período intenso de estudos na universidade é algo corriqueiro e, caso o curso não tenha sido a escolha mais adequada para o perfil do estudante, pode afligir sua saúde mental.

O que vem sendo feito para apresentar uma solução?

Identificar que instituições de ensinos são locais potencialmente adoecedores é um primeiro passo para criar ambientes seguros, em que estudantes psicologicamente abalados possam ter voz, busquem e recebam um auxílio efetivo. Trata-se de uma questão cuja solução passa, antes de tudo, pela aceitação e reconhecimento das doenças mentais como problemas de saúde, e não algo relacionado a questões morais do indivíduo.
Debates sobre saúde mental do estudante estão sendo realizados desde 2017 em universidades do Brasil inteiro 5 por especialistas e universitários da área. Tal projeto tem como finalidade criar grupos de discussão acerca de vivências universitárias dos participantes.
Nesses espaços, os indivíduos podem são incentivados a dar relatos dos problemas psicológicos vividos, compartilhando, assim, pontos em comum sobre a doença. Os principais objetivos desses debates são a promoção da saúde e a prevenção aos transtornos mentais desencadeados, além de abrir espaço para os alunos se expressarem livremente.
Por fim, é preciso cobrar uma autocrítica das instituições universitárias e da sociedade como um todo no sentido de criar uma cultura de mais empatia e solidariedade, além de elaborar mecanismos através dos quais seja possível aos estudantes denunciar e punir comportamentos abusivos, tanto por parte de professores quanto por parte de colegas.
Desta forma, espera-se que estudantes universitários brasileiros possam cumprir as suas obrigações estudantis de uma maneira menos corrosiva e maléfica para sua saúde mental.

Referências

  1. Graduate students need more mental health support, new study highlights. ScienceMag, 6 Mar. , 2018. Disponível em: https://www.sciencemag.org/careers/2018/03/graduate-students-need-more-mental-health-support-new-study-highlights. Acesso em 11/2018.
  2. EVANS, T. et al., Evidence for a mental health crisis in graduate education. Nature Biotechnology vol. 36, 282–284 (2018).
  3. Nas federais, 3 estudantes em cada 10 já procuraram psicólogo. Estadão, 16 Set. 2017. Disponível em: https://saude.estadao.com.br/noticias/geral,nas-federais-3-estudantes-em-cada-10-ja-procuraram-psicologo,70002003617. Acesso em 11/2018.
  4. O ignorado adoecimento mental dos estudantes universitários. Pensar a Educação em Pauta, 14 Fev. 2018. Disponível em: http://pensaraeducacao.com.br/pensaraeducacaoempauta/o-ignorado-adoecimento-mental-dos-estudantes-universitarios/. Acesso em 11/2018.
  5. Aumento de transtornos mentais entre jovens preocupa universidades. Estadão, 16 Set. 2017. Disponível em: https://saude.estadao.com.br/noticias/geral,aumento-de-transtornos-mentais-entre-jovens-preocupa-universidades,70002003562. Acesso em 11/2018.