Como os povos originários chegaram até o Brasil? O território brasileiro já era a casa de muita gente bem antes de ele ser batizado como Brasil. Quando os colonizadores europeus chegaram ao litoral do nosso país no século XV, deram de cara com os povos nativos, descendentes daqueles que estiveram por aqui pela primeira vez.

Estima-se que, no ano de 1500, por volta de 3 milhões de pessoas viviam nas terras que pertencem atualmente ao Brasil. Ao longo dos anos, o número de povos originários brasileiros diminuiu drasticamente devido, principalmente, à invasão de seus territórios, à exploração e à marginalização. Hoje eles representam apenas 0,26% da população brasileira.

A pergunta que fica é: se antes da época das grandes navegações já havia milhões de pessoas vivendo no Brasil, como e quando foi que elas chegaram até aqui? E a resposta para essa questão pode ser um pouco complexa.

Para entender este processo, precisamos voltar no tempo. Mais precisamente, uns 20 mil anos, durante a última Era Glacial.

O caminho até as Américas – Como os povos originários chegaram até o Brasil?

Na época da última Idade do Gelo, o nível dos mares era mais baixo e, por isso, os continentes tinham um desenho diferente daquele que vemos nos mapas atuais. Onde hoje é o Estreito de Bering, um canal marítimo entre o Alasca, na América do Norte, e a Rússia, existia uma faixa de terra que ligava as duas regiões.

Os estudos indicam que, há aproximadamente 15 mil anos, as pessoas que viviam no continente asiático teriam cruzado o Estreito de Bering com sucesso e entrado na América. Foi a primeira vez que o ser humano pisou no nosso continente. Essa é a hipótese mais aceita pelos cientistas, afirma a geneticista Kelly Nunes, pesquisadora do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP).

Entretanto, não há consenso em relação à data e à forma como essas pessoas se distribuíram e povoaram o continente americano, afirma Kelly. Várias teorias foram formuladas de acordo com diferentes áreas do conhecimento, como a genética, a antropologia e a linguística. A primeira trabalha com a hipótese de distintos fluxos migratórios vindos da Ásia.

A pesquisadora da USP ressalta, primeiramente, que as pessoas que chegaram até a América não tinham esse objetivo – aliás, nem sabiam da existência do continente ou a sua extensão. Eles eram povos primariamente caçadores e coletores, e se deslocavam com o intuito de se proteger e de encontrar alimentos, sem uma direção concreta.

Quando os seres humanos chegaram à América pela primeira vez, eles encontraram, no território que pertence atualmente ao Canadá e aos Estados Unidos, uma imensa barreira de gelo, que dificultava a sua movimentação em direção ao leste. Por esta razão, acredita-se que eles tenham percorrido uma rota a caminho do sul do continente americano, acompanhando as regiões próximas à costa do oceano Pacífico.

Um estudo liderado pelo pesquisador Eske Willersev, da Universidade de Copenhague, na Dinamarca, em conjunto com estudiosos de Minas Gerais e do Rio de Janeiro, concluiu que o deslocamento das pessoas da América do Norte até a América do Sul aconteceu de maneira muito rápida e levou somente algumas centenas de anos.

Uma das chaves que evidenciariam essa hipótese é o sítio arqueológico Monte Verde, na região sul do Chile. Alguns pesquisadores defendem que os seres humanos habitam a América do Sul há aproximadamente 13 mil anos, com base nos vestígios encontrados nesse local. Esses dados têm uma idade semelhante à dos artefatos dos povos Clóvis, que viveram na região do atual Novo México, nos Estados Unidos, e são considerados um dos primeiros a habitarem a América.

Ao que tudo indica, então, foram os descendentes dos povos Clóvis norte-americanos que caminharam até o sul do continente americano, segundo um estudo conduzido por pesquisadores de oito países diferentes afiliados à Universidade de São Paulo, à Universidade de Harvard, entre várias outras.

Existem, ainda, dois outros importantes fluxos migratórios que colaboraram para o povoamento do continente americano, explica Kelly Nunes, da USP. Há cerca de 9 mil anos, novos grupos populacionais vindos da Ásia atravessaram o Estreito de Bering em direção à América. Eles se espalharam tanto pelo território norte-americano quanto pela América Central e do Sul. Uma última migração, mais recente, que data de aproximadamente 5 mil anos atrás, percorreu uma rota distinta, em direção à Groenlândia. Esse percurso foi possibilitado pelo derretimento das antigas geleiras que cobriam os territórios do Canadá e dos Estados Unidos.

Evidências genéticas

O fóssil humano mais antigo encontrado no Brasil pertence a Luzia, uma mulher de um metro e meio de altura que viveu há cerca de 11 mil anos, cujos ossos foram descobertos na gruta de Lapa Vermelha, na região metropolitana de Belo Horizonte.

Diversas outras importantes evidências históricas indicam a presença de seres humanos no Brasil há milhares de anos. Um exemplo é o Parque Nacional da Serra da Capivara, no Piauí, onde se encontra a maior concentração de sítios arqueológicos das Américas. Há, também, especialmente no litoral, vários sambaquis – depósitos de ossos humanos, restos de animais, conchas e outros artefatos -, que revelam a atividade humana na região entre dois e nove mil anos atrás.

De acordo com um estudo de pesquisadores brasileiros e de diversos outros países, análises de fósseis humanos de várias regiões das Américas chegaram à conclusão de que Luzia e os povos da cultura Clóvis apresentam um componente genético muito parecido, o que atesta a presença de um ancestral em comum entre eles.

Por sua vez, o DNA dos povos nativos mais contemporâneos tem uma maior compatibilidade genética com os fósseis humanos com idade inferior a 9 mil anos. Ou seja, Luzia e os povos indígenas mais recentes podem ter descendência em fluxos migratórios distintos.

Outra hipótese bastante discutida sobre como os povos originários chegaram até o Brasil, nos estudos genéticos diz respeito à relação entre os nativos americanos e os povos originários da Oceania. De acordo com estudos genéticos, esses dois grupos populacionais compartilham de 1 a 3% de seus genomas, comenta a pesquisadora da USP Kelly Nunes. A quantidade, apesar de ser bastante pequena, evidencia que ambos descendem de antepassados comuns que viveram há muito tempo no continente asiático – e não de uma travessia direta da Oceania para a América. Isso significa que, enquanto algumas linhagens asiáticas antigas resolveram seguir ao norte, em direção ao Estreito de Bering, outras percorreram um caminho oposto e chegaram à Austrália e às ilhas do Pacífico.

Embora tenha ocorrido a dizimação das populações originárias brasileiras após a colonização, ainda há centenas de etnias indígenas no Brasil, distribuídas pelas cinco regiões do país, e traços desses povos seguem presentes no DNA do brasileiro. Tanto as populações indígenas quanto a população miscigenada brasileira guardam em seu DNA a história dos nossos ancestrais nativos americanos.

Kelly Nunes explica, entretanto, que existe uma variação na proporção de ancestralidade indígena entre os brasileiros: nos habitantes da região Norte do país, em média 20 a 30% de seus genomas têm procedência indígena. A proporção diminui para aproximadamente 15% para os indivíduos das regiões Centro-Oeste e Nordeste e abaixa ainda mais entre os habitantes das regiões Sudeste e Sul, sendo inferior a 10%.

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Referências

Arqueólogos encontram as pontas de lança mais antigas da América do Norte
DNA de fósseis encontrados no Brasil, incluindo o povo de Luzia, reescrevem a história da ocupação das Américas 
Índios no Brasil: quem são
Parque Nacional da Serra da Capivara
The new face of Luzia and the Lagoa Santa people