A farmacogenética é a área da genética responsável por estudar os impactos da variabilidade genética na população sobre os efeitos na terapia com medicamentos, com a finalidade  principal de minimizar os efeitos adversos e otimizar os efeitos terapêuticos. Nos Estados Unidos, por exemplo, mais de dois milhões de pessoas são hospitalizadas 1 e pelo menos 100.000 morrem por ano em decorrência da não resposta ou de reações adversas a medicamentos.
Por conta disso, os exames farmacogenéticos, que já são bastante difundidos em países desenvolvidos, como Estados Unidos e Canadá, vem ganhando espaço no Brasil e podem modificar significativamente a relação dos pacientes com o medicamento, o médico e o farmacêutico. Com o auxílio da farmacogenética,o especialista poderá ter mais segurança e assertividade ao prescrever o medicamento adequado e a dose correta,  já que possuirá informações importantes sobre o perfil genético do paciente.

Como funciona

A grande maioria dos fármacos é metabolizada  pelas enzimas do citocromo p450 2, especialmente  por quatro delas: CYP2D6, CYP3A4, CYP2C19 e CYP2C9, que são transcritas por genes de mesmo nome (o gene CYP2D6 transcreve a enzima CYP2D6, o gene CYP2C19 transcreve a enzima CYP2C19 e assim por diante). Estudos populacionais sobre tais genes mostram que há uma grande variedade de alelos presentes nas mais diversas populações do planeta, e que estes alelos são responsáveis pela transcrição de isoformas com diferentes índices de metabolização.
Vamos tomar como exemplo o gene CYP2C19: o alelo *17 deste gene 3 expressa uma enzima com alto índice de metabolização, enquanto a isoforma expressa pelo alelo *2 não é funcional 3. Isso faz com que os portadores do alelo *17 sejam metabolizadores rápidos, enquanto os portadores do alelo *2 sejam metabolizadores lentos.
Desta forma, vê-se que o exame farmacogenético permite estudar os perfis de metabolização dos fármacos de maneira individualizada para cada paciente, uma vez que velocidade de absorção de um determinado medicamento em cada indivíduo apresenta forte relação com os alelos que ele possui para cada uma dessas enzimas.
Pacientes que realizam a metabolização rápida dos fármacos tendem a eliminar os medicamentos em um tempo menor que a média da população, requerendo doses ligeiramente superiores à dose padrão para atingir o efeito terapêutico. No caso de o paciente possuir o metabolismo mais lento, o raciocínio é o mesmo: a tendência do indivíduo é bioacumular os fármacos, ou seja, a dose padrão pode causar efeitos tóxicos, sendo necessária uma dose inferior à média da população.
Esta abordagem, que explora os perfis de metabolização, permite que os tratamentos possam ser adaptados e otimizados caso a caso, de modo que os efeitos terapêuticos sejam potencializados e os efeitos adversos minimizados: é o que se convenciona chamar de Medicina Personalizada.

Farmacogenética para psiquiatria

Um estudo realizado por pesquisadores da UFMG 4 estima que 40% a 70% dos pacientes com depressão que utilizam antidepressivos adequados para as suas necessidades por pelo menos seis semanas apresentam quadro de remissão da doença.
Isso mostra que, muitas vezes, a dosagem pode não estar adequada às necessidades do paciente. Com o auxílio do exame farmacogenético, pode-se ter uma análise mais completa sobre o indivíduo e prescrever o medicamento adequado e a dosagem correta para ele.
Outro problema comum ao se tratar pacientes depressivos é a polifarmácia, ou seja, quando se faz uso de mais de um medicamento durante o processo do tratamento do indivíduo. Ao se examinar farmacogeneticamente os pacientes psiquiátricos, é possível identificar as interações farmacocinéticas, possibilitando o planejamento de uma terapia mais eficiente.

Farmacogenética para câncer e antirretrovirais

Hoje, um dos maiores empecilhos que limitam a eficácia de quimioterápicos são as resistências primária e secundária das células cancerígenas 5. Um dos medicamentos suscetíveis a resistência é o 5-Fluorouracil, usado em terapias antitumorais já há mais de 50 anos.
Este fármaco é metabolizado pela glicuronil-transferase (UGT1A1), a mesma enzima que metaboliza antirretrovirais como o AZT e outros quimioterápicos como o Irinotecano. Ao longo dos anos, abordagens farmacogenéticas mais inovadoras e eficazes para o tratamento do câncer, como no exemplo acima, têm sido desenvolvidas 6. Isto é um sinal do esforço investido em inovação e no desenvolvimento de técnicas mais seguras, uma vez que o câncer é uma condição de alta complexidade.

Considerações finais

É importante lembrar que o exame farmacogenético não é uma ferramenta diagnóstica, mas, sim, uma pesquisa de caráter informativo para otimizar o resultado do tratamento do paciente. O exame deve ser utilizado em conjunto com outras informações do indivíduo, como dieta, estilo de vida e ambiente familiar/profissional.
A farmacogenômica é uma área nova do conhecimento. É um campo multidisciplinar que abrange conceitos de farmacologia, biologia molecular e prática clínica, e por isso depende de um trabalho extensivo de indexação de conhecimento e construção de bases de dados. Neste sentido, destacam-se iniciativas como o CPIC 7 (Consórcio Internacional para Implementação da Farmacogenômica) e o PharmGKB 8, base de dados de livre acesso contendo informações como diretrizes clínicas, orientações de dosagens, artigos e até mesmo documentação para desenvolvimento de software.
Você já se utilizou de exames farmacogenéticos para otimizar as terapias de seus pacientes? Gostaria de saber mais? Deixe um comentário!

Referências

  1. METZGER, I. et. al. Farmacogenética: Princípios, aplicações e perspectivas. Medicina, Ribeirão Preto, 39 (4): 515-21, out./dez. 2006.
  2. ZANGER, U., SCHWAB, M. Cytochrome P450 enzymes in drug metabolism: Regulation of gene expression, enzyme activities, and impact of genetic variation. Pharmacology & Therapeutics, V. 138, I. 1, Abr 2013, 103-141.
  3. Pharmacogenes Variations Consotrium – PharmVar. Disponível em: http://www.pharmvar.org. Acesso em 11/2018.
  4. MIRANDA, D. et. al. Psicofarmacogenética. Medicina, Ribeirão Preto, 39 (4): 515-21, out./dez. 2006.
  5. PANCZYK, M. Pharmacogenetics research on chemotherapy resistance in colorectal cancer over the last 20 years. World J Gastroenterol. 2014 Aug 7; 20(29): 9775–9827
  6. LU, D. Y. Pharmacogenetics of cancer therapy: breakthroughs from beyond? Future Sci OA. 2015 Nov; 1(4): FSO80.
  7. Clinical Pharmacogenetics Implementation Group – CPIC. Disponível em: http://www.cpicpgx.org. Acesso em 11/2018.
  8. STANFORD UNIVERSITY, PharmGKB. Disponível em: www.pharmgkb.org., Acesso em 11/2018.